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REGRESSO AO PASSADO NO PICO
            O Czar tem uma história curiosa. As primeiras
            vinhas chegaram aos Açores no século XV, e nos
            séculos seguintes os relatos referem um vinho            FORTUNATO GARCIA
            que os locais chamavam de Passado, ou vinho de
            passas, que era consensualmente considerado
            o melhor. Existem registos da sua exportação   Desde que pegou no projecto, em 2006, que tenta mudar essa
            para reis, imperadores, papas e czares. Graças ao   realidade. Venceu uma medalha de ouro logo na primeira feira
            Passado, nos séculos XVIII e XIX o Pico pagava   internacional em que participou, em Moscovo. E na segunda, em
            mais impostos do que todas as outras oito ilhas   Londres, levava consigo a edição especial de uma barrica de 2009,
            juntas, e era a terceira mais populosa do arqui-  que chegou aos 20 graus de teor alcoólico. 75 garrafas tabeladas
            pélago. Infelizmente, o século XIX foi também o   a 1500 euros cada, que esgotaram em pouquíssimo tempo. Para
            século das pragas, e estas dizimaram a vinha nos   Fortunato, foi um momento-chave, porque percebeu, finalmente,
            Açores. Isso levou a uma emigração massiva da   que o mundo compreendia e valorizava o seu vinho — e se calhar
            população, e mesmo quem ficou e replantou a   não precisava de continuar a investir o salário de professor para
            vinha fê-lo maioritariamente com os chamados   manter viva a tradição, como o seu pai fizera toda a vida.
            “híbridos americanos”, tidos como mais resis-  A colheita de 2013 (saiu em 2022) custava já 500 euros, e das 863
            tentes, mas que só serviam para fazer os ditos   garrafas produzidas restam muito poucas em adega, guardadas
            vinhos “de cheiro”. Felizmente alguns visionários   como reserva pessoal e para sessões de prova. A colheira de 2014
            resistiram teimosamente ao invasor na freguesia   chega agora ao mercado e é vendida ao preço de 550 euros, assim
            da Criação Velha, e salvaram as castas típicas – o   como será a de 2015. Em 2016, 2017 e 2018 não foi possível produzir
            Verdelho das ilhas, o Terrantez do Pico e o Arinto   uma única garrafa.
            dos Açores (o trio na base do Czar). Mas, um a   A par da colheita de 2014, Fortunato e os irmãos reservaram outra
            um, todos foram desistindo e, na década de 1960,   surpresa, com o lançamento de um reserva de 1999, o Último Czar
            restava um último moicano na ilha: José Duarte   do Século XX, e o último vinho que o pai produziu. Um lote que
            Garcia.                                      resulta de uma única barrica que sobressaiu na adega e que, por
            Fortunato recorda-se do pai lhe dizer, em plena   isso, José Duarte Garcia guardou para a família e amigos. Desse
            adega, sentado no mesmo cadeirão onde agora   vinho restavam 86 garrafas, que chegam ao mercado 25 anos após
            conversa  com  a  Turbilhão,  “sabes,  Fortunato,   a colheita, numa garrafa especial Vista Alegre e gravações a ouro.
            temos o melhor vinho do Mundo”, ao que lhe res-  O preço? 7500 euros, um valor que o coloca na mesma prateleira
            pondia: “até pode ser verdade pai, mas o mundo   dos grandes vinhos premium do mundo!
            não o conhece”.




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