Page 121 - Revista Turbilhão 21
P. 121
REGRESSO AO PASSADO NO PICO
O Czar tem uma história curiosa. As primeiras
vinhas chegaram aos Açores no século XV, e nos
séculos seguintes os relatos referem um vinho FORTUNATO GARCIA
que os locais chamavam de Passado, ou vinho de
passas, que era consensualmente considerado
o melhor. Existem registos da sua exportação Desde que pegou no projecto, em 2006, que tenta mudar essa
para reis, imperadores, papas e czares. Graças ao realidade. Venceu uma medalha de ouro logo na primeira feira
Passado, nos séculos XVIII e XIX o Pico pagava internacional em que participou, em Moscovo. E na segunda, em
mais impostos do que todas as outras oito ilhas Londres, levava consigo a edição especial de uma barrica de 2009,
juntas, e era a terceira mais populosa do arqui- que chegou aos 20 graus de teor alcoólico. 75 garrafas tabeladas
pélago. Infelizmente, o século XIX foi também o a 1500 euros cada, que esgotaram em pouquíssimo tempo. Para
século das pragas, e estas dizimaram a vinha nos Fortunato, foi um momento-chave, porque percebeu, finalmente,
Açores. Isso levou a uma emigração massiva da que o mundo compreendia e valorizava o seu vinho — e se calhar
população, e mesmo quem ficou e replantou a não precisava de continuar a investir o salário de professor para
vinha fê-lo maioritariamente com os chamados manter viva a tradição, como o seu pai fizera toda a vida.
“híbridos americanos”, tidos como mais resis- A colheita de 2013 (saiu em 2022) custava já 500 euros, e das 863
tentes, mas que só serviam para fazer os ditos garrafas produzidas restam muito poucas em adega, guardadas
vinhos “de cheiro”. Felizmente alguns visionários como reserva pessoal e para sessões de prova. A colheira de 2014
resistiram teimosamente ao invasor na freguesia chega agora ao mercado e é vendida ao preço de 550 euros, assim
da Criação Velha, e salvaram as castas típicas – o como será a de 2015. Em 2016, 2017 e 2018 não foi possível produzir
Verdelho das ilhas, o Terrantez do Pico e o Arinto uma única garrafa.
dos Açores (o trio na base do Czar). Mas, um a A par da colheita de 2014, Fortunato e os irmãos reservaram outra
um, todos foram desistindo e, na década de 1960, surpresa, com o lançamento de um reserva de 1999, o Último Czar
restava um último moicano na ilha: José Duarte do Século XX, e o último vinho que o pai produziu. Um lote que
Garcia. resulta de uma única barrica que sobressaiu na adega e que, por
Fortunato recorda-se do pai lhe dizer, em plena isso, José Duarte Garcia guardou para a família e amigos. Desse
adega, sentado no mesmo cadeirão onde agora vinho restavam 86 garrafas, que chegam ao mercado 25 anos após
conversa com a Turbilhão, “sabes, Fortunato, a colheita, numa garrafa especial Vista Alegre e gravações a ouro.
temos o melhor vinho do Mundo”, ao que lhe res- O preço? 7500 euros, um valor que o coloca na mesma prateleira
pondia: “até pode ser verdade pai, mas o mundo dos grandes vinhos premium do mundo!
não o conhece”.
121