Entre o Alentejo e a Comporta, a empresária Mary Laik encontrou o cenário ideal para transformar a sua paixão por design e hospitalidade em projetos que unem autenticidade, conforto e respeito pelo território. Nesta conversa, fala sobre o seu percurso, o conceito de “casas chave na mão” e a forma como o artesanato local se tornou parte essencial do seu trabalho.


Gostaríamos de começar pelo início: quem é a Mary Laik? Pode contar-nos um pouco sobre o seu percurso pessoal e profissional antes de chegar a Portugal?
Nascida e criada no Mónaco, cresci num meio onde tudo girava em torno da beleza e dos detalhes. O meu pai tinha um negócio de joias e relógios e a família da minha mãe já estava envolvida no negócio da decoração e numa loja de materiais para obras.
Com o tempo, os meus pais começaram a investir em imóveis e estavam muito voltados para a renovação de edifícios que ninguém queria ou que alguém pensava em restaurar, devolutos. Acho que isso influenciou bastante o meu caminho até aqui.
Embora eu tenha estudado gestão de negócios, sempre tive interesse por tudo o que envolvia criação: estudei arte e desenho durante o ensino médio, e moda e design de interiores eram, na verdade, as minhas primeiras opções de estudo.
Acabei por me tornar uma “touche-à-tout”, como se diz em francês, ou seja, experimentei várias áreas diferentes antes de mergulhar no universo das casas. Estudei e vivi em vários países, o que também alimentou muito a minha inspiração e criatividade.
Sempre tive essa vontade de deixar a minha marca no mundo. Tive uma loja de roupas onde seleccionava marcas de nicho, com algumas peças feitas sob medida. Esse pensamento acabou por se aplicar a tudo o que fiz na vida: nunca quis ser apenas mais uma pessoa, fazendo apenas mais um projecto; e isso reflecte-se no que faço hoje com casas.
O que a motivou a iniciar uma nova vida em Portugal? Houve um momento ou um lugar que a fez sentir que este era o país certo?
Mudámos para Portugal principalmente pela qualidade de vida e segurança, após o nascimento do nosso filho. No ano anterior, já tínhamos visitado alguns lugares para decidir onde nos instalar. Estivemos quase para nos mudar para Estremoz, mas acabámos em Arraiolos que, de qualquer forma, fica no Alentejo.
Queríamos espaço, tranquilidade e um ambiente saudável para ver o nosso filho crescer. Também precisávamos de espaço para os nossos cavalos, já que na altura o meu marido ainda era cavaleiro profissional. Encontrámos tudo isso no Alentejo, além de vistas e paisagens incríveis, numa quinta pela qual nos apaixonámos instantaneamente, com uma vista magnífica para o castelo de Arraiolos. A partir daí, começámos o nosso negócio juntos cá em Portugal, cada um com a sua função… e o resto é história.
O que encontrou na Comporta que não encontrou em mais lado nenhum? Foi um acaso feliz ou uma escolha planeada?
A Comporta foi um dos lugares que visitámos anos atrás, em 2016, quando estávamos à procura de casa. Voltámos dois anos depois, já morando em Portugal, para passar um fim de semana e o que era para ser um simples passeio transformou-se numa das minhas zonas preferidas na Europa.
Apaixonei-me pelas paisagens preservadas, as praias extensas e a vibração descontraída. Lembrava-me das Landes, em França, onde gostava muito do espírito do lugar, e até da costa belga, onde passei todos os meus Verões (sou metade belga por parte de mãe).
O que mais a fascina nesta região: a paisagem, o ritmo de vida, a autenticidade?
O que mais apreciámos foram as paisagens amplas, a luz, a simpatia das pessoas, a ausência de ostentação e a autenticidade que ainda se preserva no Alentejo. As pessoas aqui têm orgulho das suas raízes e são muito ligadas à sua terra.
Há também um verdadeiro sentimento de pertença e ajuda mútua entre os locais, algo raro hoje em dia. Obviamente, há um ritmo diferente, em que as pessoas precisam adaptar-se ao clima, que pode ser extremo: muito quente no Verão e bastante frio no Inverno.
A Comporta tem atraído muitos estrangeiros nos últimos anos. Na sua opinião, o que distingue esta zona de outros destinos europeus de luxo?
As paisagens, as praias imensas e o estilo autêntico das típicas casas de pescadores, as cegonhas, os arrozais e todos os caminhos que levam a praias escondidas, tudo isso aliado à mentalidade simples e descontraída. Já havia pessoas famosas a morar lá e ninguém se importava, o que fazia com que todos se sentissem à vontade, sem precisar “representar” ou impressionar. Infelizmente, isso está a mudar agora que a Comporta foi amplamente divulgada e acabou tornando-se popular e até “hype” demais para o meu gosto.
Que tipo de projectos tem actualmente em desenvolvimento na Comporta?
Temos vindo a renovar e construir casas de aldeia no centro da Comporta, a Comporta “real”, que para nós continua autêntica e cheia de charme. Casas fáceis de viver, verdadeiras casas de férias, onde se aproveita com amigos para um churrasco, se pega na bicicleta para ir até à praia ou se sai para correr nos arrozais.
O que a inspirou a apostar no hipismo? Trata-se de uma paixão antiga ou de uma oportunidade que surgiu com esta mudança de vida?
O nosso projecto mais recente é uma quinta que renovámos na mesma zona da nossa primeira propriedade quando nos mudámos para Portugal há oito anos, em Arraiolos. Tínhamos o grande desafio de renovar uma estrutura moderna quase abandonada e dar-lhe um toque rústico para se integrar à paisagem. Ao mesmo tempo, trouxe também um pouco da essência da Comporta, de onde inclusive vieram muitos elementos usados.
Dado o sucesso dessa primeira renovação, considerámos voltar para cá depois de alguns anos na Comporta e na zona de Azeitão. Incluímos estruturas equestres, unindo o nosso gosto pelo estilo de vida alentejano, a nossa ligação comum à equitação (foi assim que conheci o meu marido) e a falta de propriedades equestres totalmente renovadas em Portugal. Ou são estruturas grandes, profissionais e sem alma, ou são propriedades antigas que precisam de meses ou até anos de obras antes de poderem ser habitadas.
Por isso, apostámos em mais um projecto deste tipo, para trazer algo que falta no mercado e que tem tido cada vez mais procura, especialmente por parte de nórdicos e, mais recentemente, americanos que vêm para cá em busca de uma vida tranquila e isolada com os seus animais, mas ainda assim com acesso razoável à cidade.
Que tipo de experiências pretende proporcionar, tanto para os residentes como para quem visita?
Além de oferecer estruturas equestres totalmente renovadas, desenvolvemos ao longo do tempo o conceito de “pronto a habitar” – casas chave na mão – já que a nossa principal clientela é estrangeira, como mencionei antes.
As pessoas muitas vezes não se mudam com a preocupação brutal que é montar uma equipa para construir ou renovar o seu projecto, com animais, caixotes, escola dos filhos etc., seja no campo ou perto do mar. Nós facilitamos esse processo, desenvolvendo casas personalizadas, onde cada detalhe conta. Desde o acabamento das portadas aos pisos e aos pequenos toques decorativos, tudo é pensado para que se sinta em casa, com aconchego, desde o primeiro dia, com zero esforço ou preocupação.
Não conseguiria fazer apenas mais uma casa. É por isso que colocamos tanto cuidado nos detalhes e nos acabamentos. Esse conceito nasceu após anos a alugar algumas das nossas casas e o comentário mais frequente dos hóspedes era como as casas tinham “alma” e atenção aos detalhes. Com o tempo, acabávamos sempre por vender o mobiliário junto com as casas. Então tornou-se lógico seguir esse modelo de negócio: casas totalmente mobiladas, funcionais e prontas para morar.
Tendo passado por isso várias vezes em mudanças internacionais, sei como é difícil adaptar-se, aprender o idioma e, ao mesmo tempo, tentar construir ou estabilizar um lar, ainda mais com filhos e animais. Por isso, também desenvolvemos um serviço de acompanhamento completo para os nossos clientes seja na supervisão de obras, questões administrativas, alfandegárias ou legais, ajudando em tudo o que envolve mudar-se para outro país.
Basicamente, oferecemos uma experiência completa para que o cliente encontre um lar onde se sinta como se sempre tivesse vivido ali, sem o stress da mudança.
Em que medida procura integrar a cultura e o saber-fazer local no que desenvolve?
Trabalhamos sempre com artesanato e mão de obra local. Sempre incluo peças e produtos típicos da região, feitos sob medida ou adquiridos localmente. Por exemplo, na nossa renovação mais recente usámos pedras e mármores da região de Estremoz; azulejos produzidos localmente; candeeiros feitos com troncos de oliveira portuguesa; abat-jours de palha feitos à mão em Grândola; têxteis e lãs de Reguengos. Todos os móveis de madeira foram feitos por equipas da aldeia vizinha, com madeira proveniente de produtores portugueses.
O nosso objectivo é sempre criar uma sensação de lar e isso inclui o sentimento de pertença à comunidade onde está a casa. Por isso, é evidente que as casas devem ser feitas com materiais locais, até para promover e proteger as populações onde investimos.
O que a convenceu de que Portugal era um bom país para investir e viver?
Segurança, valores, tradição e o ritmo crescente de investimento e dinamismo económico que se tem visto no país em várias indústrias.
Do ponto de vista cultural, quais foram os maiores desafios na adaptação a Portugal e o que mais a inspira na forma de viver portuguesa?
Apesar de ter um marido português, precisei de um tempo de adaptação, como acontece em qualquer mudança de país. Ainda mais porque, quando nos mudámos em 2017, vínhamos do Mónaco, uma cidade superlotada e agitada. Chegar ao sossego do Alentejo, com um recém-nascido, sem falar a língua e sem conhecer ninguém foi um desafio. Mas com o tempo aprendi a adaptar-me, graças à bondade e à simpatia das pessoas locais.
Viver no “verdadeiro” campo é obviamente um desafio – é outro ritmo e outra forma de viver – mas com o tempo aprendi a adoptar os ditados locais: “Com calma tudo se faz” e “Não há vida como no campo.”
Quais são os próximos passos? Podemos esperar novos projectos ou parcerias nos próximos anos?
Temos actualmente um projecto em curso, em parceria com o nosso fornecedor de equipamentos equestres, próximo de Montijo, uma propriedade com mais de seis hectares.
Estamos também a planear continuar a investir no triângulo dourado do Alentejo: Estremoz, Évora e Arraiolos, onde o nosso objectivo é continuar a renovar quintas e também reconstruir casas típicas de aldeia, para oferecer uma experiência mais abrangente a novos residentes, visitantes de fim de semana e estrangeiros que procuram casas de fácil aquisição ou eventualmente para alugar; ao mesmo tempo que promovemos estas vilas do interior.
O acréscimo de população depois do COVID foi enorme, e acho que, se tivermos casas de boa qualidade prontas a habitar, o interior pode ter um dinamismo e uma importância muito maior com a chegada de cada vez mais pessoas.
Num futuro próximo, também estamos a considerar aventurar-nos pelo lado da montanha e renovar chalés. Depois da cidade, da praia e do campo, só nos resta experimentar a vida na montanha.