Há lugares que, ao invés de seguirem modas, as definem. No coração da Foz, o Cafeína celebra três décadas de elegância discreta, sabores intemporais e uma forma muito própria de estar à mesa. Descubra como este restaurante se tornou um ícone da gastronomia portuguesa e uma referência que atravessa gerações.
Em plena Foz do Douro, onde o mar e a cidade se encontram num sussurro elegante, o restaurante Cafeína celebra 30 anos de história, sabor e sofisticação. Fundado por Vasco Mourão em 1995, este ícone da restauração portuense não só resistiu à passagem do tempo como se reinventou de forma discreta, mantendo a mesma identidade com que conquistou o coração da cidade.




"Este restaurante tem muito a ver comigo. É um espaço sóbrio, um pouco masculino, com personalidade própria. Sempre foi assim", partilha Vasco Mourão, enquanto nos guia pela memória viva do seu primeiro grande projecto de restauração. O nome, inspirado inicialmente na ideia de um café-bar, acabou por se tornar sinónimo de uma cozinha cosmopolita, com um toque de irreverência, num Porto onde, à data, a gastronomia ainda estava fortemente enraizada na tradição.

A casa do século XIX onde o Cafeína se instalou foi alvo de uma reabilitação exemplar, primeiro por Paulo Lobo, com um projecto que marcou uma geração de restaurantes elegantes e urbanos, e mais recentemente por José Carlos Cruz, que redesenhou o espaço sem apagar a alma que sempre ali habitou. "Houve um cliente que disse uma coisa que nunca esqueci: 'Parece que nada mudou e tudo mudou'. E é isso mesmo. O segredo está em evoluir sem trair a essência", sublinha Vasco.
Um marco de mudança na cidade
Quando abriu, o Cafeína trouxe para a Invicta uma proposta inovadora. Carpaccios, ceviches, saladas como prato principal e um serviço atento mas descontraído, eram raridades. "Tínhamos pratos que pareciam exóticos. Hoje são banais. Mas na altura, foi uma pedrada no charco", recorda o fundador. A combinação de cozinha internacional com pratos portugueses revisitados criou uma assinatura que atravessou décadas sem perder relevância.
Ao longo destes 30 anos, o restaurante transformou-se num ponto de referência, não apenas pela gastronomia, mas pela forma como recebe. "Sempre quis que este fosse um espaço para todos, dos 7 aos 77. E temos clientes que vêm desde o início, agora com filhos e netos. Isso diz muito sobre a nossa identidade", conta Vasco Mourão.
Sabores com história
O menu do Cafeína é um retrato fiel da sua trajectória. O icónico bife Wellington, servido à sexta-feira ao almoço num carrinho de serviço clássico, é uma verdadeira experiência sensorial. "Fomos dos primeiros a servi-lo na cidade. No fundo, democratizámos o Wellington", diz Vasco, com um sorriso. Outro exemplo é o tártaro de atum, introduzido em 2021 e que rapidamente conquistou o paladar dos clientes, mantendo-se na carta até hoje.
Há ainda pratos lendários como o robalo com arroz de bivalves e algas, ou o bacalhau à Conde da Guarda, reinterpretado à luz contemporânea. E, claro, não se pode esquecer o crepe queimado, sobremesa inspirada no extinto Hotel Aviz, que se tornou um clássico do restaurante. "Alguns pratos não saem da carta porque os clientes os escolheram para ficar. Nunca tivemos um prato bandeira imposto. Foram os hábitués que os consagraram."
Um espaço em permanente afinação
Um dos segredos do sucesso do Cafeína reside na forma como o espaço foi sendo subtilmente renovado, mantendo-se sempre actual. "Estas cadeiras já são o terceiro modelo que temos. A cor das paredes mudou várias vezes, para que ao almoço houvesse mais luz, mas sem que as pessoas notassem", partilha Vasco, sublinhando a importância de um ambiente envolvente: "Para mim, o ambiente é mais importante do que a comida. Se o espaço não me transmite algo, não volto."
A atenção ao detalhe estende-se à acústica. "Há muitos anos, o José Carlos Cruz disse-me que uma das chaves do sucesso era a má acústica. Porque mesmo quem almoça sozinho sente-se acompanhado pelo som de fundo das conversas."
Trinta anos, trinta histórias
As celebrações dos 30 anos têm incluído jantares com chefs que passaram pela casa e deixaram a sua marca. Camilo Jaña, chef executivo do grupo, partilha agora a cozinha com nomes como Francisco Meireles ou Pedro Nunes, numa série de eventos chamados Cafeína Signatures. "Mais do que uma festa, é uma celebração de continuidade e de amizade."
Foi também lançado um vinho tinto exclusivo - um Touriga Nacional do Douro - e um Porto de 30 anos, para assinalar a data. Além disso, está a ser testado um novo conceito de deli bar, numa experiência mais leve e jovem, retomando a veia inicial de cafetaria do restaurante. "A nossa gastronomia mudou muito. Mas é preciso manter alguma distinção. E isso passa por saber evoluir sem perder coerência."
Um legado para o futuro
O Cafeína é hoje muito mais do que um restaurante. É um legado, um estado de espírito, uma referência de como o luxo pode ser discreto e a sofisticação pode conviver com a proximidade. "Nunca quis ser um cenário. Um restaurante não pode ser postiço. Tem de ser autêntico", afirma Vasco Mourão com convicção.
E é precisamente essa autenticidade que fez do Cafeína uma escola informal de grandes nomes da cozinha portuguesa, uma casa onde se volta porque se sente pertença. "Este restaurante foi feito para durar. E para ser vivido."
Trinta anos depois, o Porto mudou, o mundo girou, mas o Cafeína continua lá: na mesma rua, com a mesma alma, mas com novas ideias, novos sabores e o mesmo brilho no olhar de quem acredita que, para durar, é preciso saber mudar.