É na ilha do Pico que os Açores escondem um último tesouro. Um vinho de loucos, cheio de “passado” e com muito futuro, absolutamente extraordinário e tão raro que só agora o estamos a descobrir…
Não admira que toda a gente, ou quase, tenha desistido. Enquanto os outros produtores tratam da vindima, Fortunato Garcia espera que as suas uvas fiquem em passa, por isso reza para que o clima não as estrague, o que acontece em 40% dos anos. A estatística não está do seu lado, e mesmo quando chega à colheita as quantidades são ridículas, na ordem dos 300 ou 400 quilos por hectare. De loucos, se pensarmos que as vinhas mais antigas do Douro chegam aos dois mil, e não produzem um quarto de uma vinha nova. Depois da vindima, ainda terá de aguardar oito anos de envelhecimento em adega até, finalmente, ter Czar.
É esse o custo de criar um vinho único, de colheita tardia, mas que não é um Colheita Tardia, que atinge 18 ou 19 graus de álcool de forma totalmente natural, sem qualquer tipo de fortificação ou adição de açucares. Um vinho eterno, “capaz de durar 200 anos ou mais”, e que mesmo depois de aberto não oxida. Um vinho quase seco, apesar dos açucares, fresco, guloso e salino, porque as vinhas centenárias estão mesmo coladas ao mar.
Nos últimos anos, Fortunato recebeu no Pico, ou encontrou em feiras internacionais, os maiores críticos e master sommeliers do mundo, e “nunca nenhum me disse que tinha provado algo parecido”. Se todos elogiam o seu vinho e pontuam-no com excelentes classificações, pensou, “o que preciso é colocar o Czar na mesma categoria dos outros grandes vinhos premium do mundo”, de forma a compensar a empreitada.
Regresso ao Passado no Pico
O Czar tem uma história curiosa. As primeiras vinhas chegaram aos Açores no século XV, e nos séculos seguintes os relatos referem um vinho que os locais chamavam de Passado, ou vinho de passas, que era consensualmente considerado o melhor. Existem registos da sua exportação para reis, imperadores, papas e czares, os seus maiores importadores. Graças ao Passado, nos séculos XVIII e XIX o Pico pagava mais impostos do que todas as outras oito ilhas juntas, e era a terceira mais populosa do arquipélago. Infelizmente, o século XIX foi também o século das pragas e estas dizimaram a vinha nos Açores. Isso levou a uma emigração massiva da população e mesmo quem ficou e replantou a vinha fê-lo maioritariamente com os chamados “híbridos americanos”, tidos como mais resistentes, mas que só serviam para fazer os chamados vinhos “de cheiro”. Felizmente alguns visionários resistiram teimosamente ao invasor na freguesia da Criação Velha e salvaram as castas típicas, o Verdelho das ilhas, o Terrantez do Pico e o Arinto dos Açores (o trio na base do Czar). Mas um a um todos foram desistindo e, na década de 1960, restava um último moicano na ilha: José Duarte Garcia.
Fortunato recorda-se do pai lhe dizer, em plena adega, sentado no mesmo cadeirão onde agora conversa com a Turbilhão, “sabes, Fortunato, temos o melhor vinho do Mundo”, ao que lhe respondia: “até pode ser verdade pai, mas o mundo não o conhece”.
Desde que pegou no projecto, em 2006, que tenta mudar essa realidade. Venceu uma medalha de ouro logo na primeira feira internacional em que participou, em Moscovo. E na segunda, em Londres, levava consigo a edição especial de uma barrica de 2009, que chegou aos 20 graus de álcool. 75 garrafas tabeladas a 1500 euros cada, que esgotaram em pouquíssimo tempo. Para Fortunato foi um momento-chave, porque percebeu, finalmente, que o mundo compreendia e valorizava o seu vinho − e se calhar não precisava de continuar a investir o salário de professor para manter viva a tradição, como o seu pai fizera toda a vida.
A colheita de 2013 (saiu em 2022) custava já 500 euros, e das 863 garrafas produzidas restam muito poucas em adega, guardadas como reserva pessoal e para sessões de prova. “Pela primeira vez na história, desde 1960, esta adega deu lucro”. A colheira de 2014 chega agora ao mercado e é vendida ao preço de 550€, assim como será a de 2015. Dois anos são fundamentais porque em 2016, 2017 e 2018 não foi possível produzir uma única garrafa.
A par de 2014, Fortunato e os irmãos reservaram outra surpresa, com o lançamento de um reserva de 1999, o Último Czar do Século XX, e o último vinho que o pai produziu. Um lote que resulta de uma única barrica que sobressaiu na adega e que, por isso, José Duarte Garcia guardou para a família e amigos. Desse vinho restavam 86 garrafas, que chegam ao mercado 25 anos após a colheita, numa garrafa especial Vista Alegre e gravações a ouro. O preço? 7 500 euros, um valor que o coloca na mesma prateleira dos grandes vinhos premium do mundo!