Paço de Arcos. Um recanto sereno onde o mar murmura histórias antigas e o tempo abranda. É aqui, no coração da antiga Casa do Fiscal, que o chef Miguel Laffan dá corpo e alma ao Intemporal – mais do que um restaurante, um lugar onde o tempo é ingrediente, técnica e ritual.
Logo à chegada, sente-se a pausa. O silêncio elegante da arquitectura de Paula Arez, feita de madeira, luz e memória, prepara o espírito para o que aí vem: um menu degustação que é mais do que uma sequência de pratos – é um percurso poético pelas estações, pelas lembranças e pela geografia dos sabores.





"Queria um espaço pequeno, onde pudesse mudar tudo a cada estação. Um sítio onde cada detalhe estivesse no seu tempo certo", confidencia Miguel Laffan, enquanto observamos o mar, que parece compor com ele cada prato servido.
Primavera em 13 actos
O menu de Primavera começa com um prelúdio leve e lúdico – Ovos Rotos, onde a barriga de atum se esconde sob uma batata crocante, e uma gema aveludada evoca manhãs preguiçosas de domingo. Segue-se a Sopa da Praia Velha, de peixe e marisco com notas de kombu, numa homenagem líquida à costa portuguesa.
A Gyoza de lagostim com caril tailandês e torresmo de galinha, servida com o espumante António Guerreiro Bruto 2018, é um momento de puro hedonismo. Um vinho raro, com apenas 400 garrafas produzidas, cuja mousse delicada e acidez cintilante embala os sentidos como um jazz bem ritmado.
"Cada pairing é pensado para contar uma história com o prato", explica o sommelier Luís Feiteirinha, cujo percurso vai do Alma ao Kabuki. "A carta é maioritariamente portuguesa, porque ninguém faz vinhos como nós, mas estamos a começar a introduzir algumas pérolas do velho e novo mundo."
Passagem e Permanência
A etapa seguinte, Passagem, leva-nos aos Açores. Um Bolinho a Vapor de brandade de bacalhau, aioli de pimenta de la Vera e enguia fumada, é uma viagem de texturas e fumo. O arroz Malandrinho de carabineiro e codium evoca marés vivas e campos de sal. O LV Lobo de Vasconcellos Reserva Branco 2022 acompanha com frescura e mineralidade, num equilíbrio quase coreografado.
Em Permanência, regressamos às raízes. O pão de massa mãe fumado em alecrim, a manteiga de bottarga e o azeite de Trás-os-Montes são como uma prece lenta à terra.
Demora com tempo e alma
Agora tudo abranda. Demora é a secção mais extensa do menu, onde os sabores se desenvolvem como um romance bem escrito. A Lula tandoori com créme fraîche e hortelã provoca uma dança entre oriente e ocidente. O Goraz em caldeirada de gamba da costa e berbigão é uma reinvenção respeitosa da tradição. Acompanhados por um notável orange wine — Alto do Joa 2022 — produzido a 800 metros de altitude em vinhas centenárias, este momento é puro terroir engarrafado.
Os Espargos com presunto, morilles e béarnaise de estragão são um devaneio primaveril em tons de verde, acompanhados pelo irreverente Sem Vergonha 2021 de Susana Esteban e Dirk Niepoort — um Castelão fresco e elegante, com taninos suaves e um final longo como um pôr do sol sobre o Tejo.
Para o prato de Cordeiro com legumes da estação e ervilha lágrima, a escolha recai sobre o Vallado Douro 2021 — um vinho de estrutura firme, com frutos vermelhos maduros, esteva e violeta no aroma, e um final persistente e carnudo que sustenta com nobreza a suculência do prato.
Eternidade em tons de morango e ananás
A sobremesa, Morango com gengibre fermentado, rosas e limão, é como regressar a casa com um ramo de flores. um sopro floral, quase efémero, com um lado cítrico que limpa e desperta. Mas é com Açores à Vista — onde o ananás dos Açores se entrelaça com lima e vinho de Carcavelos — que se encerra o ciclo com frescura e memória. Um verdadeiro epílogo de identidade portuguesa, em forma líquida e tropical, que nos faz desejar recomeçar.
Uma experiência que se repete
Com apenas 16 lugares e uma vista que abraça o horizonte, o Intemporal não é um restaurante para se visitar uma vez só. É daqueles lugares que pedem repetição, com a promessa de um novo menu a cada estação. "Cada cliente que cá vem, volta", garante Miguel Laffan com um sorriso sereno.
No Intemporal, o tempo não se mede em horas, mas em instantes de prazer. E cada momento, como cada prato, é servido no ponto. A gosto. Mesmo a tempo.
Intemporal
Rua Vista Alegre, 2770-046 Paço de Arcos
Terça a Sábado, das 12h30 às 15h00 e das 19h30 às 23h00
Reservas: intemporalrestaurante.pt